terça-feira, 1 de janeiro de 2008
CINEMA DE FICÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL: entrevista com o pesquisador Alfredo Luiz Suppia
O estudo acadêmico da Ficção Científica produz seus primeiros passos nas universidades do Brasil. Na UNICAMP, disciplinas como "O cinema de autor e a ficção científica", ministrada pelos professores Ernesto Giovanni Boccara e Ronaldo Marinsky, e a tese de doutorado do jornalista Alfredo Suppia, ambas na pós-graduação do Departamento de Multimeios do Instituto de Artes (IA) da Unicamp procuram esmiuçar o assunto. De acordo com Suppia, aluno e colaborador da disciplina, “ficção científica sempre foi um gênero invisível na história do cinema brasileiro, mas nunca deixou de existir. A produção esporádica de filmes com essa temática é conseqüência de alguns fatores, entre eles a inexistência no país de uma indústria cinematográfica consolidada, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos e em nações européias”. Em julho de 2007, Suppia participou do 32º Encontro Anual da SFRA (Science Fiction Research Association), em Kansas City, EUA, onde falou sobre seu trabalho de pesquisa no Brasil. Os alunos participantes do Buraco de Minhoca entrevistaram Suppia, que também é um colaborador do blog.
Entrevista
BM: Há algum tempo você vem se dedicando ao estudo de Ficção Científica em geral. Sua dissertação de mestrado teve como tema a análise dos filmes Metrópolis, de Fritz Lang, e Blade Runner, dirigido por Ridley Scott. O que o levou a se interessar pelo tema?
AS: Desde criança tenho interesse em narrativas de ficção científica, sejam na literatura, na TV ou no cinema. Devo admitir que esse é meu gênero predileto, muito embora não pesquise exclusivamente ele. Fui muito influenciado na minha infância por séries como Guerra nas Estrelas, Blade Runner, de Ridley Scott, e a literatura de Philip K. Dick. Ilustrações de ficção científica, como as do brasileiro Alvim Corrêa para a edição ilustrada de A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, também sempre despertaram o meu interesse.
BM: No 32º Encontro da SFRA você falou sobre a FC no Brasil. Como foi a reação do público ao seu trabalho, já que aquele país é considerado o grande centro das produções do gênero?
AS: O interesse dos americanos e demais participantes do encontro foi bastante grande. Os estudiosos mais sérios têm vontade de conhecer tudo que é produzido ao redor do mundo. Creio também que o universalismo latente na ficção científica em geral também ajude nessa integração, nessa vontade mútua de se conhecer melhor, nesse espírito segundo o qual a ficção científica não tem fronteiras, sendo patrimônio de toda a humanidade.
BM: Como você vê a situação atual e as perspectivas de desenvolvimento do gênero FC no Brasil? Que tipo de contribuição a universidade pode trazer nesse sentido?
AS: Creio que o cinema digital, o barateamento de algumas tecnologias e fenômenos como o YouTube podem estar ajudando o cinema de ficção científica no Brasil. O problema dos efeitos especiais é encarado de maneira um pouco diferente hoje em dia, graças aos avanços da computação gráfica. Sinto que os brasileiros têm ficado, pouco a pouco, mais à vontade para experimentar ficção científica. Vejo a universidade como um agente importante nessa transformação – que é gradual e sutil. Muitos curtas digitais de ficção científica estão sendo produzidos em universidades hoje. Eu mesmo já rodei alguns na Unicamp ou em Campinas. Na UnB, um filme como Nada Consta, rodado em 16mm (roteiro e direção de Santiago Dellape), já foi premiado. Em Minas Gerais, Carlos Canela realiza filmes fantásticos ou de FC com sua produtora, a Carabina Filmes. É claro que essas produções, tanto em DV quanto em película, têm dependido de leis de incentivo ou, pelo menos, do apoio de universidades. Fazer FC audiovisual no Brasil costuma ser considerado uma experimentação ou ousadia. Acredito que a universidade ainda seja o ambiente mais indicado para se experimentar e ousar.
BM: Atualmente, vemos grandes empresas multinacionais, como Shell ou British Telecom, e mesmo o governo dos EUA, empregarem funcionários especializados na previsão de cenários futuros. Seria possível estabelecer um paralelo entre os autores de ficção científica e estes profissionais, a exemplo de Arthur C Clarke que, na década de 40, previu o uso de satélites em telecomunicações?
AS: Acho arriscado jogar sobre os ombros dos realizadores de ficção científica (escritores, cineastas, etc.) a responsabilidade de prever o futuro. Não encaro o gênero como futurologia ou profecia. Aliás, acho que, quando a ficção científica assume essa responsabilidade futurológica, a tendência é que fracasse. Não me lembro de nenhuma obra de FC que eu tenha gostado só porque fez previsões acuradas. Talvez seja por isso que eu prefira Wells a Verne. Mas não há como negar que, como todo artista, o realizador de FC pode ser mais sensível a tendências do presente. Isso pode ser útil, mas vejo como uma migração do artista para outro departamento.
BM: qual tema de FC você gostaria de ver nas futuras produções do cinema nacional?
AS: Quanto maior a variedade, melhor. Mas acho que os artistas brasileiros têm condições de desenvolver mais obras de ficção científicas voltadas para a ecologia. Distopias ecológicas, invasão alienígena, fusão homem-máquina, a vida nas grandes metrópoles, engenharia genética e realidade virtual são temas que gostaria de ver mais no audiovisual brasileiro.
BM: Quais as expressões estéticas e o quanto é representativo o gênero da FC no Brasil?
AS: No cinema brasileiro, a ficção científica é um gênero menor, marginal ou encarado como extravagância. Na maioria das vezes, os filmes brasileiros de FC seguem a tradição do cinema clássico americano. Mas a ficção científica já foi apropriada pelo cinema experimental ou marginal, e até mesmo pelo Cinema Novo, como em Brasil Ano 2000 (1969), de Walter Lima Jr.
BM: Como podemos identificar a FC nos filmes brasileiros? Que aspectos podemos perceber para que um filme possa ser analisado como de FC?
AS: A resposta a essa pergunta pode variar de acordo com a metodologia adotada. Tenho adotado uma adaptação do método proposto por Darko Suvin em Metamorphoses of Science Fiction, inspirado também em definições da ficção científica proposta por autores como Kingsley Amis e Sam Moskowitz. Uma maneira bastante simplificada de compreender a proposta é imaginar um filme de FC como uma narrativa amplamente dependente de algum fato, tema ou ícone científico (ou pseudocientífico) para evoluir.
Links relacionados:
“Ficção científica: um alienígena no nosso cinema?”
O repórter Manuel Alves Filho entrevista Alfredo Suppia para o Jornal da Unicamp.
“Brazuquinhas do espaço”
Guilherme Kujawski entrevista Alfredo Suppia para a Enciclopédia Itaú Cultural.
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